A Fragilidade dos laços humanos
BAUMAN, 2004, p.17
Para Bauman, amar significa abrir-se ao destino, a mais sublime de todas as condições humanas. Todavia, no nosso mundo moderno, como não se apaixonar, é o mesmo fascínio de uma rosa sem espinhos, nunca está longe e é sempre difícil de resistir?
Num mundo onde satisfação instantânea, relacionamentos de bolso e descompromisso predominam. Nunca se terá confiança suficiente para dispersar as dúvidas e abafar sua ansiedade. Principalmente quando dois sentimentos imperam: o desejo e o amor. Um consome, absorve, devora, ingere e aniquila seu alvo de afeição. O outro é a vontade de cuidar e de preservar o objeto cuidado. O desejo se autodestrói, o amor se autoperpetua.
Entretanto, Bauman deixa claro que tal como o desejo, o amor é uma ameaça a seu objeto de afeição. A rede protetora tecida pelo amor escraviza o alvo de sua afeição, o aprisiona e o coloca detido sob custódia.
Contudo, numa época de satisfação instantânea, o tempo necessário para o cultivo de um relacionamento é insustentavelmente longo. No desejo, se encontra novas possibilidades românticas e encontros casuais que podem ser as vezes mais satisfatórios e completos. (BAUMAN, 2004, p. 36)
Na sociedade líquida de Bauman, ainda que um compromisso amoroso seja firmado, a promessa de união é irrelevante em longo prazo. Desta forma, estar envolvido romanticamente pode tornar alguém tão inseguro quanto estar fora de um relacionamento, às vezes até mesmo pior.
O fracasso de um relacionamento é frequentemente um fracasso na comunicação e num relacionamento podem ocorrer duas “perversões divergentes”.
Uma delas é o tipo de associação que, devido à preguiça, ao medo ou a uma propensão à acomodação no relacionamento, consiste simplesmente em tentar agradar um ao outro enquanto se continua fugindo do problema. Nessa “perversão” aquele que ama pode estar querendo paz e conforto e por isso evita discutir uma divergência. Positivamente, esse ato de altruísmo pode ter nascido do respeito mútuo. Acreditar e respeitar o parceiro, oferecendo um abrigo seguro de aceitação. Um ato de possessividade amorosa que procura realizar-se pelo autocontrole.
A outra “perversão divergente” seria a possessividade amorosa livre e raivosa. Segundo Bauman, todo amor é matizado pelo impulso antropofágico. Todos os amantes desejam suavizar, extirpar e expurgar a exasperadora e irritante alteridade que os separa daqueles a que amam. Tal perversão também tem raiz na adoração do ente amado, apesar de que é difícil separar a adoração do ser amado da autoadoração.
Mas quando o amor acontece…
Pode ter sido um amor à primeira vista, a longo ou curto prazo, mas como Heráclito previu com o conceito do devir, a partir do momento que a pergunta “Você me ama?” tudo muda.
A resposta é dada por uma pessoa inevitavelmente diferente daquela a quem foi feita a pergunta, e ela é dada a alguém que mudou desde que perguntou. É impossível saber a profundidade dessa mudança.
E é todas essas mudanças e inconstâncias do amor que se consiste, segundo Bauman, a fragilidade dos laços humanos, o sentimento de insegurança que eles inspiram, o dilema do desejo de apertar os laços e ao mesmo tempo, mantê-los frouxos.
Estreitar os laços ou não, todavia é uma questão de escolha, de acordo com Bauman, a escolha é o fator qualificante: ela transforma o parentesco em afinidade. E quando inicia e verdadeiramente se investe num relacionamento amoroso, tem como objetivo tornar essa afinidade com o ente amado em algo tão forte como o parentesco, nunca se corta esse cordão umbilical. Essa escolha pela afinidade deve ser reforçada todos os dias, ou ela aos poucos definha deteriora e desaparece.
Essa afinidade é uma escolha. No entanto, em algumas culturas, essa afinidade surge de uma entidade sobrenatural, e muitas vezes divina. A predestinação amorosa que atesta e muitas vezes reforça casualmente que relacionamentos não dão ‘certo’, pois o ente amado não era sua alma gêmea.
“É da natureza do amor — como Lucano observou há dois milênios e Francis Bacon repetiu muitos séculos depois — ser refém do destino.” (BAUMAN, 2004, p. 21)
A crença das almas gêmeas, no ocidente, provém de diversas lendas e crenças religiosas. No caso do judaísmo que acredita no conceito de destino uma vez que na literatura rabínica há uma declaração que diz que os casamentos são feitos no céu. O conceito também está presente na cultura grega, no diálogo de Aristófanes em O Banquete de Platão, que relata como os seres humanos consistiam de duas pessoas unidas, e que foram separadas por Zeus e desde então procuram suas caras-metades, outro termo popular que passa a mesma ideia.
Duas almas destinadas a se encontrar, duas metades que fazem parte de um único ser. Esse conceito abrange a crença que todos possuem um parceiro romântico. Alma gêmea, cara-metade, metade de sua laranja, a tampa de sua panela… Uma promessa de entendimento e compreensão. A sua metade, que em algumas crenças, torna os amantes completos.
No oriente, o conceito de predestinação amorosa se encontra na figura mitológica de Yuè Lǎo, deus da Lua encarregado dos casamentos. Popularmente difundida na Ásia, a lenda conta sobre um fio vermelho que liga os destinados a se amarem. Os amantes são conectados independentemente do lugar, tempo ou circunstâncias. Esta linha pode se esticar ou se emaranhar, mas nunca se partir.
No Japão, a Lenda do Fio Vermelho do Destino é conhecida como Akai Ito, uma linha vermelha invisível que liga pelo dedo mindinho esquerdo aqueles que estão destinados a ficar juntos.
Escolha ou Destino, talvez, um pouco dos dois. O paradigma entre as ideias de amor líquido e predestinação amorosa junto de uma hipótese de caráter sobrenatural criaram a premissa do webtoon Dilema Vermelho.