Como caracterizar um personagem
Se a história é uma metáfora para vida, o personagem é “uma metáfora para natureza humana”. (McKEE, 2010, p. 375)
E tal como a história, um personagem é estruturado de forma a cumprir seu papel na temática do enredo. Afinal, é ele que move a trama e dita a estrutura narrativa.
Todos os personagens de uma trama têm um papel a cumprir, porém o mais importante é o protagonista. Afinal, é com ele que o público irá passar a maior parte do tempo da história. (SNYDER, 2005, l.189)
Enquanto Snyder acredita que é fundamental que os espectadores simpatizem com o protagonista, McKee e Weiland dizem que a empatia é o mais importante. Mesmo que você não goste do personagem, se a audiência consegue se identificar com ele, a história do personagem passa a ser a história da audiência, e é através disso que testamos e estendemos nossa humanidade. (McKEE, 2010, p.141)
É assim que o público vive várias vidas através da história.
A questão da empatia de Snyder, entretanto se encontra nos objetivos do protagonista: primitivo. O objetivo do herói deve ser algo com que qualquer ser humano consiga se identificar no nível mais básico, ou seja, a essência deve ser um instinto primitivo como sobrevivência, fome e sexo. (SNYDER, 2000, p.54)
A ideia de um objetivo essencialmente básico é a universalidade dele, pois qualquer pessoa em qualquer parte do mundo pode compreender pelo que a personagem está passando e assim, se identificar nele.
Todavia, apesar de não ser necessário que as pessoas simpatizem com o seu personagem, o seu momento característico é fundamental, pois é nele que inicia o arco do personagem. E como Weiland diz em seu livro, a primeira impressão é importante sim! (WEILAND, 2016, p.49)
Se o objetivo é ter um protagonista que o público simpatize, então o momento característico deve pegar uma característica positiva do personagem e enaltecê-la ao máximo.
Blake Snyder chama essa cena de “salve o gato”. É a cena que conhecemos o herói e o herói faz algo, como salvar um gato, que define quem ele é e faz com que nós, a audiência, gostemos dele. (SNYDER, 2005, l.192)
Todavia, se o personagem realmente não for simpático com o público, o objetivo do momento característico é torná-lo interessante, de tal forma que a audiência queira saber mais sobre ele. No momento característico do personagem não só se tem a chance de fisgar a audiência, como também de demonstrar o caráter do personagem. Afinal, ao tentar enaltecer uma característica do protagonista o colocamos sob pressão, revelando dessa forma seu caráter.
Caráter e caracterização são diferentes.
Enquanto a caracterização de um personagem é a soma de suas características observáveis, o caráter só é visto sob pressão. “Como uma pessoa escolhe agir sobre pressão é quem ela é — quanto maior a pressão, mais verdadeira e complexa é a escolha do personagem.” (McKEE, 2010, p. 375, tradução nossa)
A estrutura de uma história tem como objetivo constantemente aumentar a pressão sobre o personagem principal. Essa pressão vem em forma de conflito revelando assim seu caráter. Consequentemente é necessário escolher qual tipo de conflito vai atingir o protagonista, pois cada tipo de conflito revela uma diferente particularidade do herói.
Em seu livro, McKee observa 3 graus de conflito, como foi ilustrado previamente. O primeiro grau são os conflitos internos: a mente, corpo e emoções. O segundo grau são os conflitos pessoais, que envolvem amigos, família e amantes. O terceiro grau são os problemas externos: ambiente físico, indivíduos na sociedade e instituições sociais.
Cada tipo de conflito favorece um tipo diferente de estrutura narrativa, tal como beneficia um tipo de protagonista. Existem dois tipos de protagonista, o ativo e o passivo. Enquanto o protagonista ativo confronta as pessoas e o mundo na busca do seu objetivo, o protagonista passivo procura o alvo de seu desejo de forma introspectiva.
Quando se fala da jornada de um personagem, se refere também ao seu arco dramático, ou seja, o desenvolvimento pessoal de um personagem durante a trama.
Segundo Weiland, existem três tipos básicos de arco de personagem: o arco de mudança positiva, o arco plano e o arco negativo.
No arco plano as crenças do protagonista não mudam no decorrer da história. No arco negativo o protagonista termina numa situação pior do que ele começou na história. E no arco positivo, o protagonista que vive na mentira é forçado a enfrentar suas crenças sobre ele e o mundo, de forma que ao final da história ele encontra a verdade, mudando ele e o mundo ao seu redor.
A mentira que o personagem acredita consiste numa ideia equivocada que ele tem sobre si mesmo ou o mundo, ou provavelmente ambos. (WEILAND, 2016, p.26).
Quando o personagem é obrigado a sair de sua zona de conforto é que a história começa. Todavia, tal como uma pessoa real, o protagonista resiste à mudança. Da resistência nasce o conflito; do conflito nasce o enredo.
Para tentar preencher o buraco que a mentira causa na vida do protagonista, este procura uma solução externa, ou seja, o que ele realmente precisa é da verdade.
E, como observa Weiland, o protagonista vai procurar essa solução externa pela maior parte da história, sendo que a maioria das vezes, o que ele realmente precisa não é nada mais do que uma realização.
Entretanto, por qual motivo o herói acredita nessa mentira?
A resposta se encontra no passado do personagem. “Quanto maior e mais destrutiva é a mentira, mais chocante e impactante é o Fantasma. […] Quanto maior é o fantasma, maior é a mentira e maior é o arco.” (WEILAND, 2016, p.42, tradução nossa)
Durante a narrativa, o herói enfrentará seus demônios internos e externos, encontrará sua verdade, e por fim alcançará o que ele realmente precisa. Afinal, “o protagonista possui a vontade e a capacidade para alcançar seus objetivos […]até o limite humano estabelecido pelo universo e gênero.” (McKEE, 2010, p.139 tradução nossa)