Criando quadrinhos
“Não há limites para o que você pode pôr numa página em branco — desde que compreenda os princípios sobre os quais se constroem todas as narrativas em quadrinhos.” (McCLOUD, 2008, p.5)
Segundo Scott McCloud, para escrever com imagens é necessário entender os princípios da clareza, persuasão e intensidade. Uma vez que uma história em quadrinhos precisa assumir a forma de imagem em sequência, talvez com palavras.
O estilo Marvel de roteiro permitiu um fluxo de escolhas em relação a imagens, ritmo, diálogo, composição, gesticulação que antes eram engessados pela sequência de diálogos de um roteiro fechado.
Para conduzir uma história com clareza em mente, conforme aponta McCloud, é necessário o entendimento de 5 princípios básicos:
1. O Momento
Como aponta McCloud, cada quadrinho leva o enredo adiante, para isso, é necessário saber como fazer uma transição de quadro a quadro de forma a priorizar o que o enredo busca transmitir. Ou seja, minimizar o número de quadrinhos em prol da eficiência ou adicioná-los para dar ênfase. O caráter do momento do estado de espírito e da ideia.
As seis formas de transição quadro a quadro são:
1.1. Momento a momento
Uma única ação retratada em uma série de momentos. Esse tipo de transição favorece impacto e suspense de uma ação, pois capta com maior detalhe todas as mudanças de um momento.
1.2. Ação a ação
Um único sujeito em uma série de ações é a mais eficiente para manter a sequência rápida e dinâmica.
1.3. Sujeito a Sujeito
Uma série de sujeitos alternantes dentro de uma única cena é tão eficiente em dinamicidade quanto a de ação a ação.
1.4. Cena a cena
A transição entre distâncias significativas de tempo e/ou espaço é ideal para mostrar passagens de tempo de forma mais pontual. É eficiente também para contar diversas histórias que acontecem em diversos lugares ao mesmo tempo dando um panorama geral de um momento na história.
1.5. Aspecto a aspecto
Transições de um a outro aspecto de um lugar, ideia ou estado de espírito. Segundo McCloud, é uma forma de congelar o tempo, criando uma forte sensação de local e de estado de espírito. Tal congelamento favorece uma construção poética de um momento na mente do leitor.
1.6. Non sequitur
Uma série de imagens e/ou palavras aparentemente não relacionadas e absurdas. Esse tipo de sequência geralmente não contribui para o progresso de uma história.
2. O Enquadramento
Depois de determinar o momento é necessário saber como contar ele, onde jogar o foco ou tirá-lo. É aqui que entra o enquadramento, que tem como principal objetivo, mostrar aos leitores o que eles precisam ver. Criar um senso de espaço, posição e enfoque. (McCLOUD, 2008, p.37)
As diversas variedades de ângulo mudam literalmente e metaforicamente como se vê uma cena. A título de exemplo, personagens vistos de baixo dão uma impressão imponente, esmagadora, enquanto vistos de cima, os diminuem e podem dar a sensação, pôr-se acima de tudo. Todavia, mudanças constantes de ângulos podem deixar uma cena confusa.
Sobre o quanto se mostram num enquadramento, close-ups conduzem o olhar do leitor de forma mais direta enquanto enquadramentos panorâmicos dão um senso de localidade, todavia o quão imersivos é esses quadros, depende do deslocamento do centro da composição.
O centro de uma composição é onde geralmente se coloca o personagem, uma vez que é a posição de maior destaque. Deslocar, entretanto, o personagem do centro pode nos direcionar ideias menos tangíveis, como o movimento de um objeto, uma ausência misteriosa, uma distância a ser percorrida, uma distância já percorrida, ou o invisível objeto da atenção de um personagem.
3. As Imagens
O objetivo da imagem é evocar clara e rapidamente a aparência de personagens, objetos, ambientes e símbolos.
Ao desenhar, cada pequeno detalhe da arte tem potencial para uma revelação de enredo, transmitir uma emoção ou o peso semântico de uma cena. Por isso, de acordo com McCloud, esteja pronto para ser específico, de forma a detalhar o suficiente para que passe a informação da forma mais clara, afinal, se o seu desenho não comunicar algo, ele simplesmente morrerá na página.
4. As Palavras
As palavras são as estrelas em diálogos, trazem especificidade para imagens vagas, e tem o incrível poder de compactar a história, principalmente nas transições cena a cena. Todavia, se comunicar com clareza por meio de palavras é deixar que elas mostrassem o que fazem melhor e, quando uma imagem foi a melhor solução, fazer com que elas saiam do caminho.
5. O Fluxo
O fluxo é a forma de como você guia seu público através de sua obra do início ao fim.
Para garantir a imersão do leitor na história é imperativo que a disposição dos quadros a ser lida nunca esteja de forma confusa, pois qualquer confusão pode arrancar o leitor do mundo da história. O mesmo princípio se aplica aos balões de fala, rupturas da quarta parede e imagens sem borda.
Toda composição deve favorecer o sentido de leitura de forma a guiar o olhar do leitor, e não o confundir, salvo quando é essa a intenção do quadrinista. Não há meios de obrigar os leitores a seguir um caminho específico, mas com experiência você consegue prever com segurança em que eles vão prestar atenção ou o que os vai distrair e tirar proveito desse conhecimento.
Então, como não comprometer o fluxo da história ao utilizar os recursos da intensidade?
Conforme aponta Scott McCloud, pode-se criar intensidade em sua história com índices de profundidade extremos, variações de formato e tamanho, contraste gráfico, poses exageradas, rupturas da quarta parede e diagonais. O intuito dessas técnicas é atrair e empolgar os leitores.
Todavia, intensidade e clareza são invariavelmente proporcionais. E ironicamente, quanto mais intensificada é uma sequência de quadros, menos intensidade há na sequência, pois se perde o contraste. A melhor forma de dispor intensidade é por uma referência imutável. Deve-se então narrar sem rodeios, tendo a clareza como guia, é a melhor maneira de as histórias ganharem fôlego para fulminarem como um relâmpago quando for à hora.