Estudo sobre os elementos de um roteiro

Segundo Robert McKee, história é uma metáfora para vida, pois são nos conflitos e personagens de uma história que descobrimos nossa própria humanidade. (McKEE, 2010, p.5)

No entanto, cada personagem tem uma vida própria, centenas de milhares de horas vividas. O desafio é como estruturar os momentos relevantes da vida deste personagem de forma a delinear uma sequência estratégica que desperta emoções específicas e expressa uma visão própria de vida.

Para identificar quais seriam esses momentos significativos da vida de um personagem é necessário pontuar os acontecimentos em que ocorreram mudanças significativas fomentadas por conflito em sua vida. Ou seja, onde houve uma mudança positiva para negativa, ou negativa para positiva em sua experiência humana. A título de exemplo: vida (positivo) / morte (negativo), lealdade (positivo) / traição (negativo) e liberdade (positivo) / escravidão (negativo).

“Uma cena é uma ação por conflito num tempo e espaço mais ou menos contínuo que muda o valor de uma condição da vida do personagem em pelo menos um valor de grau de importância perceptível.” (McKee, 2010, p. 35, tradução nossa).

Uma sequência de cenas resulta numa mudança mais significativa e uma série de sequências culmina num ato que possui uma mudança tão substancial que possui um clímax próprio. É numa sucessão de atos que se cria o clímax da história, uma sequência que resulta na última absoluta e irreversível mudança de valores da história.

São inúmeras as formas de organizar esses eventos, entretanto, existem três formas que mapeiam o universo das histórias. Essas formas são Archplot (Design Clássico), Miniplot (Minimalismo) e Anti-plot (Anti-estrutura).

O Archplot, também conhecido como Design Clássico é a estrutura mais antiga de contar uma história, presente em todas as culturas, datando além do alcance da tradição oral. As suas características são: a causalidade, o final fechado, a linearidade, o conflito externo, um único protagonista, uma realidade consistente e o protagonista ativo.

No Miniplot, o autor pega elementos do Design Clássico, simplificando e reduzindo. Sendo caracterizado por ter um final aberto, um conflito interno, múltiplos protagonistas e um protagonista passivo.

E no Anti-plot temos uma inversão, que contradiz as formas tradicionais de exploração, de forma a ridicularizar a ideia de princípios formais. Ele é caracterizado por: coincidência, o tempo não-linear e uma realidade inconsistente.

O Archplot, até mesmo por ser a estrutura mais conhecida, é também a mais popular.

O Design Clássico é uma história construída ao redor de um protagonista ativo que luta principalmente contra formas externas de antagonismo para obter o que deseja, por um tempo contínuo, dentro de uma realidade fictícia consistente e causalmente conectada a um fim fechado de mudança absoluta e irreversível.
McKEE, 2010, p. 45, tradução nossa

Com a definição do Design Clássico é possível perceber que o modelo de roteiro de Blake Snyder empresta elementos do Archplot, uma vez que ele reforça a ideia de um protagonista ativo e aconselha a utilizar um tempo linear.

O modelo de Blake Snyder consiste em diversos beats específicos que criam o ritmo da história. Ou seja, ele dita em que ordem os eventos devem ser dispostos e o que deve acontecer em nível dramático. Apesar de ser considerado uma ‘fórmula’ para criar filmes, é uma ferramenta excelente para identificar os buracos de uma narrativa, pois quando se idealiza uma trama, se tem a impressão que ela está completa, entretanto, entre as cenas idealizadas tem muito espaço no qual se perder, entrar em pânico e se afogar. (SNYDER, 2005, p.69)

No entanto, mesmo possuindo uma estrutura específica, se não existe uma forma de delimitar os inúmeros caminhos pelo qual um personagem pode seguir, existe o perigo de se cair no clichê.

E, segundo Robert McKee, a forma de evitar que isso ocorra é conhecer o mundo onde acontece a sua história. Para isso é necessário saber que o cenário de uma história é quadridimensional, composto por período, duração, localização e nível de conflito. (McKEE, 2010, p. 68)

Ou seja, responder as perguntas: Quando? (Período); Por quanto tempo? (Duração); Onde? (Localização) e por fim, Que tipo de conflito? (Nível de Conflito).

Cada resposta muda o panorama da história lhe dando naturalmente os tipos de desafios e ambiente que o protagonista deverá se encontrar. De todas essas perguntas, a mais ligada ao tipo de trama que se deseja contar é a de nível de conflito, pois ela indica um tipo de estrutura narrativa diferente. Uma história deve obedecer suas próprias leis internas de probabilidade. A escolha de eventos do escritor, por tanto, estão limitadas as possibilidades e probabilidades do mundo que ele criou.

O escritor deve ter domínio total do universo que se passa a sua história, pois quanto mais o autor a conhece, mais opções criativas ele terá. Isso quer dizer que ironicamente, num mundo menor ele terá mais opções do que num mundo maior, pois neste o conhecimento é mais diluído. Dessa forma, a chave para vencer essa guerra [ao clichê] é a pesquisa, dedicar tempo e esforço para adquirir conhecimento.

Todavia, somente o cenário e a estrutura de enredo não são suficientes para delimitar o tipo de história a ser escrita. Para isso existem os gêneros.

Conforme explica Mckee, o gênero foi criado de forma a classificar os elementos que as histórias tinham em comum, porém, nos diversos sistemas criados com a intenção de cataloga-las a seleção de elementos narrativos não era consistente criando divergência em quantos gêneros existem, mas ele listou 25 gêneros diferentes.

Curiosamente, Blake Snyder, diz só haver 10 tipos de gênero, pois acaba priorizando o tipo de estrutura narrativa e as regras que devem ser seguidas para que a história pertença a essa categoria. (SNYDER, 2005, p.24)

Contudo, tanto McKee quanto Snyder apoiam o estudo do gênero no qual se deseja escrever de forma a evitar clichês, cumprir com as regras do gênero e descobrir novas formas de conduzir o enredo.

 

A essência de um roteiro

Na vida tudo pode acontecer, o imaginável e o inimaginável, mas a história, não é sobre realidade. O que acontece são fatos, e não a verdade. (McKEE, 2010, p.25).

Toda história é dotada de uma verdade, um ideal de quem a escreve. Essa ideia, não está visível durante a trama, pois os ideais passados em uma história estão velados “dentro de um feitiço emocional”. Os ideais são sentidos, não vistos e é disso que consiste storytelling. (MckEE, 2010, p. 129)

STORYTELLING é a demonstração criativa da verdade. A história é a prova viva de uma ideia, da conversão de uma ideia em ação. A estrutura de eventos de uma história é o meio pelo qual você primeiramente se expressa e então prova sua ideia…. sem explicação.
McKee, 2010, p. 113, tradução nossa

A ideia velada dentro de uma história seria o seu tema central e é ele que direciona as escolhas de trama do autor. O tema central e a premissa são os dois elementos necessários para dar início ao processo criativo de conceber uma história. Enquanto o tema central fala do verdadeiro significado de sua história, a premissa é a ideia que inspira o escritor a escrevê-la.

Ao contrário do tema, a premissa é aberta, uma possibilidade que abre inúmeros caminhos. Ela coloca uma situação, e já dá indício de quem é que vivenciará essa história, entretanto, ainda não é necessário se preocupar em detalhes com o quem no início.

Entretanto, ainda não é o momento para iniciar a conceber o roteiro. Para Blake Snyder, antes de dar início ao roteiro, é necessário responder uma pergunta: “Sobre o que é essa história?”. Ter uma história é responder essa questão em uma única frase, a Logline ou One-line. (SNYDER, 2005, p.1)

LOGLINE OR ONE-LINE — uma logline consiste em uma ou duas frases descrevendo o seu filme que indica sobre o que ele é. Ele deve conter um tipo de herói (ou seja, um tipo de pessoa mais um adjetivo que a descreva), o antagonista (dito), e o objetivo primitivo do herói. Deve conter ironia, e deve criar em nossas cabeças um senso de potencial.
SNYDER, 2005, p.182, tradução nossa

O Herói perfeito é aquele que oferece o maior conflito na situação, tem a maior jornada emocional e um objetivo primitivo que todos nós podemos torcer. (SNYDER, 2005, p.64)

O protagonista é o que dita a estrutura de sua história, que por sua vez tem a função de aumentar progressivamente a pressão em seu personagem de modo a revelar a sua verdadeira natureza. Mudar a estrutura é mudar o seu personagem e o mesmo é valido para o inverso. (McKEE, 2010, p.105)

Por isso, para McKee, dizer que uma história é movida por seus personagens é completamente redundante.

Criar uma história é escolher os momentos da vida de um personagem onde há uma mudança através de conflito numa qualidade de sua vida. É no tipo conflito criado pela pressão da estrutura que descobrimos mais sobre o personagem. Existem 3 graus de conflito que podem ser observados no gráfico a seguir.

Uma história é movida por conflito, pois ela nasce da luta que o personagem faz ao tentar alcançar aquilo que ele deseja. É a diferença entre expectativa e a realidade. E com cada novo risco que o personagem assume, cria a tensão de uma história que por fim resultará no clímax. (McKEE, 2010, p.147)

 

Ferramentas práticas do roteiro

Todavia, em questões práticas, como saber a progressão dramática da sua história? É nesse âmbito que os beats de Blake Snyder entram em conjunto com a existência da Board.

Cada Beat do método de Blake Snyder consiste numa cena. A ideia é escrever o estritamente essencial num cartão, papel, superfície que você pode mover e que tenha espaço o suficiente para poder escrever: o local e período que a cena ocorre; a ação básica da cena; o valor humano que muda durante a cena; qual o conflito.

Parece muito para colocar num único cartão ou post-it? Não é, pois assim como na logline deve ser escrito somente estritamente necessário como segue no exemplo apresentado por Blake Snyder:

Os beats são colocados na board, que pode ser uma lousa, parede, quadro, enfim, qualquer superfície em que se pode colocar seus beats sem se preocupar. Essa board deve ser dividida conforme seu número de atos, sendo que o ato intermediário, segundo Blake Snyder, deve ser divido em dois.

Como previamente estipulado, o método de Blake Snyder é um Archplot, e dessa forma, deve ser adaptado para o Miniplot ou Anti-plot.

O modelo exemplificado em Save the Cat leva em conta o modelo de três atos, dessa forma, o segundo ato seria divido em dois, e, por conseguinte, a Board teria quatro segmentos consistindo no: Ato 1, Ato 2.0, Ato 2.5 e Ato 3. É essencial dividir o modelo dessa forma por causa do Midpoint que se encontra exatamente entre os atos 2 e 2.5.

No Midpoint acontece uma das mudanças mais relevantes do plot, consistindo na inversão de valores do mundo previamente estabelecido. Em alguns modelos de arco de personagem, é a partir do midpoint que o protagonista deixa de ser reativo e começa a ativamente perseguir o que deseja. (WEILAND, 2016, p. 95).

Colocando as cenas, ou beats na board, é possível ter uma melhor visão de onde colocar os pontos de maior tensão e principalmente, onde estão os buracos da história. E por serem cartões móveis, é sempre possível retirar, substituir ou rescrever as cenas de forma a ter a sequência mais satisfatória.

Com a sequência de cenas estipuladas chega o momento de escrever como transcorre a cena. É nesse momento que o próprio escritor deve virar um ator de forma a melhor interpretar seus personagens entendendo suas motivações e angústias.

Todavia, o trabalho não termina aí. De acordo com Stephen King, você precisa reler seu trabalho, preferencialmente depois de um tempo e executar a “Fórmula : 2ª versão = 1ª versão – 10 %.” (KING, 2000, l. 3196)

No entanto, só se saberá se esta história está completa quando ela finalmente for exposta ao público, pois é na resposta emotiva do receptor que se encontra a ‘verdade’.